O Irão foi a procura do
inexplorado, de terras e costumes intocados por aquela enchente de turistas que
é inevitável, mas cansativa. Foi a procura da desmistificação deste povo incompreendido.
Foi a procura dos contos d’As Mil e Uma Noites. Foi o encontro com o grande
Império Persa.
O Povo
Foram
vários os iranianos que nos perguntaram “Porquê o Irão?” Nunca é fácil escolher
um destino de viagem. Se a decisão for acertada, por ventura a experiência irá
encher-nos a alma até ao ano seguinte; se não, será mais um ano de eterna
insatisfação. O Irão foi a procura do inexplorado, de terras e costumes
intocados por aquela enchente de turistas que é inevitável, mas cansativa. Foi
a procura da desmistificação do que nos é imposto pela comunicação social.
Habituados aos filtros das redes sociais, parece-me que eles próprios são
capazes de filtrar com maior perspicácia as notícias que lhes chegam sobre o
ocidente, do que nós próprios. Têm uma
curiosidade insaciável sobre a nossa cultura, uma sede de receber mais e mais
turistas para obter mais e mais informação. “oh, Portugal?!”, repetem eles após
lhes informarmos de onde vimos. O sorriso abre-se de orelha a orelha e o nome
soletrado é sempre o mesmo - “Cristiano Ronaldo”. A maioria não sabe sequer onde
fica este cantinho à beira mar plantado, mas dizem que é boa gente. A pergunta
seguinte é previsível - “O que acham do Irão?” Eles ficavam tão encantados com
a nossa resposta, como nós estávamos encantados com eles. Não só encantados,
mas surpresos e agradecidos com a disponibilidade e hospitalidade que aquele
povo nos foi capaz de oferecer.
Não há as habituais lojas de souvenirs mas, de cidade a cidade, fomos acumulando presentes, números de whatsApp e moradas - “Quando voltarem ficam em nossa casa”, diziam eles. Perdemos a conta de quantos gelados, xícaras de chá e golāb (habitual refresco de verão feito com água de rosas) nos ofereceram. Ensinaram-nos que o torrão de açúcar se derrete na boca com o chá quente, e que mais um torrão de açúcar nunca é demais. Conduziram-nos de ponta a ponta da cidade para que pudéssemos, uma vez mais, comer o nosso gelado favorito faloodeh shirazi antes de deixar o Irão. Pararam numa coffee shop após despropositadamente mencionarmos que o seu chá era o nosso café. Transportaram-nos de taxi sem cobrar dinheiro (nunca imaginei que neste planeta tal fosse possível). E paralisaram meia cidade para tentarem perceber que queríamos jantar num restaurante típico, difícil de achar naquela zona, acabando por nos conduzir até lá. Desenganem-se aqueles que pensam que falo apenas de uma pessoa. Foram situações isoladas que vivenciamos por todo o país.
Muqarnas, Jaame' Abbasi Mosque, Isfahan
Naqsh-e Jahan Square, Isfahan
Não há as habituais lojas de souvenirs mas, de cidade a cidade, fomos acumulando presentes, números de whatsApp e moradas - “Quando voltarem ficam em nossa casa”, diziam eles. Perdemos a conta de quantos gelados, xícaras de chá e golāb (habitual refresco de verão feito com água de rosas) nos ofereceram. Ensinaram-nos que o torrão de açúcar se derrete na boca com o chá quente, e que mais um torrão de açúcar nunca é demais. Conduziram-nos de ponta a ponta da cidade para que pudéssemos, uma vez mais, comer o nosso gelado favorito faloodeh shirazi antes de deixar o Irão. Pararam numa coffee shop após despropositadamente mencionarmos que o seu chá era o nosso café. Transportaram-nos de taxi sem cobrar dinheiro (nunca imaginei que neste planeta tal fosse possível). E paralisaram meia cidade para tentarem perceber que queríamos jantar num restaurante típico, difícil de achar naquela zona, acabando por nos conduzir até lá. Desenganem-se aqueles que pensam que falo apenas de uma pessoa. Foram situações isoladas que vivenciamos por todo o país.
A azáfama
Apanhar
um transporte público intercidades é tudo menos enfadonho. Aliás é tão
emocionante como andar de táxi em hora de ponta, atravessar a rua, ou
simplesmente comtemplar a complexidade do tráfego de motocicletas iranianas com
estampas da BMW. O comércio da venda
de bilhetes de autocarro é algo parecido com o que podemos encontrar no mercado
do Bolhão. Enquanto o motorista atravessa a cidade, os dois auxiliares
dependuram-se na porta, ainda aberta, e vão angariando clientes entoando em bom
som o nome do destino com alguma musicalidade. Nós, turistas intangíveis, normalmente
sós, eramos colocados na primeira fila sem que o banco do lado fosse ocupado.
No entanto, o jogo das cadeiras começava rapidamente - enquanto o auxiliar fosse
distraído com a sua xicara de chá, iam pulando para mais perto de nós, olhando
de quando em quando disfarçadamente.
O Império
Eles são os primeiros apreciadores do
seu império. Mas alguém poderá ficar indiferente ao grande Império Persa??
Talvez tenham sido os contos d’As Mil e Uma Noites que a minha mãe me lia antes
de deitar que me despertou este fascínio. Ainda assim, quando se entra na
interminável Naqsh-e Jahan, situada
no centro da cidade de Isfahan, percebe-se que as espectativas poderão sempre
ser superadas. Esta praça, The Image of
the World como é conhecida, é a segunda maior do mundo e é de uma riqueza
singular. As duas mesquitas que alberga são uma das obras-primas da arquitetura
persa que datam do Império Safávida. As suas entradas, ornamentadas com muqarnas, abóbadas em favo de mel, perfeitamente
geométricas em diferentes tons de azul e verde prenderam-me o olhar por toda
uma manhã e ocuparam uma porção do meu cartão de memória. O grande palácio
persa Āli Qāpu, juntamente com o grande lago, finalizam uma das imagens mais
arrebatadoras desta viagem. De igual forma arrebatadora foi a visita noturna à
imponente Shah-e Cheragh, King of the Light, em Shiraz. Refúgio e
posterior túmulo dos irmãos Ahmad and Muhammad, filhos de Mūsā al-Kādhim, esta
mesquita é exclusivamente revestida por mosaicos de espelhos de vidro que sob o
foco de luz brilham como cristais. Os crentes que se olham ao espelho partido
vêem-se fragmentados, distanciando-se assim dos seus bens terrestes, alcançando
Deus.
Ainda em Shiraz ao nascer do dia, os raios de sol penetravam nos vitrais da Nasir-ol-Molk, ou mesquita rosa, criando um dos jogos de luz e cor mais fabulosos e fotogénicos de todo o Irão. Já em Teerão prendeu-nos a atenção o palácio Golestan, residência oficial da dinastia Qajar nos séculos XVIII e XIX. Dentre 17 estruturas que incluem palácios, museus e salões, o Khalvat (recanto) de Karim Khan com as suas arcadas e reflexos foi o que mais apreciamos.
À medida que nos fomos afastando do golfo pérsico em direção a Este a paisagem foi-se alterando, tornando-se mais quente, árida e monocromática. Mas nem por isso menos bonita. A duas centenas de quilómetros do cruzamento com o Paquistão e Afeganistão chegamos a Bam, uma pequena cidade destruída por um terremoto que após 14 anos ainda se tenta reerguer. Rodeada por um extenso palmeiral a cidadela de Arg-e Bam é a maior construção de adobe, ou tijolos de lama, de todo o mundo. Património da UNESCO e localizada na Rota da Seda, Arg-e Bam data do império Arquimedina a 600 anos AC (ou anterior).
De facto, devido às adaptações ao clima árido do deserto fomos detetando mudanças na arquitetura. Chegados a Yazd fomos informados que deveríamos subir aos terraços da cidade velha e apreciar as rudimentares, mas inteligentes, torres de vento que tornam o Verão de 45°C menos insuportável. De igual forma, os subsolos possuem uma das maiores redes de qanats, antigo sistema de abastecimento de água, do mundo. Ainda mais me surpreenderam as yakhchals, estruturas coniformes usadas para armazenar o gelo obtido das montanhas adjacentes durante o inverno, mantendo-o até ao Verão.
Após a conquista do Irão pelos Árabes, Yazd tornou-se o refugio migratório da população Zoroastra, religião que me era completamente desconhecida até à data. Os zoroastras, que veneram o fogo, eram incompreendidos e perseguidos pelos Árabes que os consideravam descrentes. Mas a verdade é que esta foi a primeira religião monoteísta em todo o mundo. Foi nas montanhas desérticas em redor de Yazd que este grupo religioso encontrou abrigo, comemorando ainda hoje, durante 4 dias por ano, a descoberta deste local sagrado pela princesa Nikbanou do Império Sassânida que pinga pinga - Chak Chak – água, dando-lhe assim nome.
Shah-e Cheragh, Shiraz
Ali Ibn Hamzeh, Shiraz
Ainda em Shiraz ao nascer do dia, os raios de sol penetravam nos vitrais da Nasir-ol-Molk, ou mesquita rosa, criando um dos jogos de luz e cor mais fabulosos e fotogénicos de todo o Irão. Já em Teerão prendeu-nos a atenção o palácio Golestan, residência oficial da dinastia Qajar nos séculos XVIII e XIX. Dentre 17 estruturas que incluem palácios, museus e salões, o Khalvat (recanto) de Karim Khan com as suas arcadas e reflexos foi o que mais apreciamos.
Nasir-ol-Molk, Shiraz
À medida que nos fomos afastando do golfo pérsico em direção a Este a paisagem foi-se alterando, tornando-se mais quente, árida e monocromática. Mas nem por isso menos bonita. A duas centenas de quilómetros do cruzamento com o Paquistão e Afeganistão chegamos a Bam, uma pequena cidade destruída por um terremoto que após 14 anos ainda se tenta reerguer. Rodeada por um extenso palmeiral a cidadela de Arg-e Bam é a maior construção de adobe, ou tijolos de lama, de todo o mundo. Património da UNESCO e localizada na Rota da Seda, Arg-e Bam data do império Arquimedina a 600 anos AC (ou anterior).
Me and my Mr. Right, Arg-e Bam
De facto, devido às adaptações ao clima árido do deserto fomos detetando mudanças na arquitetura. Chegados a Yazd fomos informados que deveríamos subir aos terraços da cidade velha e apreciar as rudimentares, mas inteligentes, torres de vento que tornam o Verão de 45°C menos insuportável. De igual forma, os subsolos possuem uma das maiores redes de qanats, antigo sistema de abastecimento de água, do mundo. Ainda mais me surpreenderam as yakhchals, estruturas coniformes usadas para armazenar o gelo obtido das montanhas adjacentes durante o inverno, mantendo-o até ao Verão.
Maybod, Yazd Province
Após a conquista do Irão pelos Árabes, Yazd tornou-se o refugio migratório da população Zoroastra, religião que me era completamente desconhecida até à data. Os zoroastras, que veneram o fogo, eram incompreendidos e perseguidos pelos Árabes que os consideravam descrentes. Mas a verdade é que esta foi a primeira religião monoteísta em todo o mundo. Foi nas montanhas desérticas em redor de Yazd que este grupo religioso encontrou abrigo, comemorando ainda hoje, durante 4 dias por ano, a descoberta deste local sagrado pela princesa Nikbanou do Império Sassânida que pinga pinga - Chak Chak – água, dando-lhe assim nome.
Cidadela, Yazd
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV”. Os dias foram tão intensos (de história, pessoas, quilómetros) que é difícil expô-los em meia dúzia de parágrafos. Tentamos absorver o máximo que o Irão nos deu e dar o melhor de nós. E prometemos, a quem deixamos pelo caminho, contar a nossa história, quebrar mitos e despertar a curiosidade dos mais céticos.
Mt bom!
ResponderEliminarObrigada Teresa. Um beijo
EliminarParabéns pelo texto e pelas fotografias. Se há coisa que gosto de ler é uma crónica que em tão pouco consegue dizer tanto, parabéns, muito bem escrito.
ResponderEliminarObrigada Ricardo.
EliminarFico feliz por ter um feedback positivo. Um beijo