A partir do momento em que atravessamos a porta principal da medina de Marraquexe achei que não sairíamos de lá inteiros. Ao contrário da medina de Fez, aqui o trânsito motorizado é permitido. Sem fazer a mínima ideia para onde ir, paramos na primeira esquina. Rapidamente fomos abordados por um jovem com os braços repletos de cicatrizes - tal como a maioria dos jovens de rua com a mesma idade que habitam na medina - que nos perguntou qual a riad que estávamos à procura. A experiência adquirida na medina de Fez levou-nos logo a dizer que aceitávamos ajuda mas não iríamos pagar pela mesma. E tal como em Fez, o jovem responde "Não quero dinheiro, basta-me um agradecimento de coração". Gira o disco e toca o mesmo! Alertamos o rapaz que já conhecíamos a conversa e, um bocado contrariado, apontou para uma rua estreita à nossa esquerda. A viagem de 500 metros que nos separava da Riad Losra foi tão emocionante que, se filmada, poderia facilmente fazer parte de um filme de James Bond. Muito brevemente, o objetivo era chegar à riad inteiros e, de preferência, sem riscos na moto. Para isto bastava, numa rua com não mais de 3 metros de largura e com dois sentidos, desviarmo-nos das barracas de comércio, das pessoas, das lambretas, dos burros, das galinhas e, finalmente, dos gatos. Sem a ajuda de sinais de trânsito ou sinais de luzes, o único instrumento útil era mesmo a buzina. Achei que o meu coraçãozinho não ia aguentar.
O dono da Riad Losra estava à porta à nossa espera. Muito atenciosamente, serviu-nos chá de menta com bolinhos tradicionais enquanto preenchíamos a papelada. Mas quando lhe pedimos para guardar a moto na garagem (a expressão "estacionamento privado" constava na reserva) o simpático senhor explicou que o estacionamento não pertencia à riad. Quando chegamos ao suposto estacionamento privado descobrimos que afinal o estacionamento era o que chamaríamos em Portugal de um ferro velho. Encostaram a moto a um canto, enfiaram-lhe um cobertor poeirento em cima e o Sr. Losra deu ao vigia 20 dirhams. Olhou para a minha cara de escandalizada, deu um sorrisinho amarelo mas envergonhado e disse: "This is how we do in Morocco"; eu respondo "Humm. I can see that". Esquecendo este episódio, o Sr. Losra foi um amor durante toda a nossa estadia.
O dono da Riad Losra estava à porta à nossa espera. Muito atenciosamente, serviu-nos chá de menta com bolinhos tradicionais enquanto preenchíamos a papelada. Mas quando lhe pedimos para guardar a moto na garagem (a expressão "estacionamento privado" constava na reserva) o simpático senhor explicou que o estacionamento não pertencia à riad. Quando chegamos ao suposto estacionamento privado descobrimos que afinal o estacionamento era o que chamaríamos em Portugal de um ferro velho. Encostaram a moto a um canto, enfiaram-lhe um cobertor poeirento em cima e o Sr. Losra deu ao vigia 20 dirhams. Olhou para a minha cara de escandalizada, deu um sorrisinho amarelo mas envergonhado e disse: "This is how we do in Morocco"; eu respondo "Humm. I can see that". Esquecendo este episódio, o Sr. Losra foi um amor durante toda a nossa estadia.
Passaram-se dois dias em Marraquexe por entre barraquinhas de especiarias, sabonetes, lenços e bugigangas. O calor era intenso e a meio da tarde decidimos descansar num terraço com vista para a praça Djemaa el-Fna, o ex libris da cidade. Aproveitei para escrever alguns postais para amigos e tirar umas fotos. Para quem, naquela tarde, observa o movimento da praça, jamais imagina a transformação que ocorre após o pôr do sol. As barracas, até então vazias, enchem-se de comerciantes e os encantadores de serpentes aparecem. Contam-se histórias e fazem-se jogos. E para quem pensa que a praça é exclusivamente uma atracção turística, desengane-se, pois circulam maioritariamente cidadãos marroquinos.
Na última noite decidimos sair da medina, muralhada na sua totalidade por paredes de dois metros de espessura. Pode-se dizer que a passagem pela porta é uma travessia para o mundo ocidental. Se há poucos minutos atrás tínhamos visto dois meninos sujos a apontar com os pequenos dedinhos para um carrinho, que em Portugal não custaria mais que 1€, exposto numa vitrine de vidro encardida pela poluição. Do lado de lá da muralha passeavam-se jovens pouco mais velhos em frente à vitrine da Armani Jeans. Foi a primeira cidade que nos ofereceu este contraste, que descobrimos ser crescente ao longo de toda a costa marroquina.
Na manhã seguinte, despedimo-nos das panquecas e do sumo de laranja do Sr. Losra e do Sr. Losra e seguimos viagem de retorno a Portugal. Felizmente, pelo ferro velho a mota manteve-se intacta!